quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Resenha de "A Lista Negra", por Jennifer Brown

"- Muitas pessoas morreram, Valerie. Seu namorado, Nick, as matou. Você tem alguma ideia do porquê? - perguntou [Dr. Hieler]. (...)
    A resposta parecia óbvia. Nick odiava aquelas pessoas. E elas também o odiavam. Era por isso. Ódio. Socos no peito. Apelidos. Risadas. Comentários depreciativos. Ser empurrado de encontro aos armários quando algum idiota metido passava. Eles o odiavam e ele os odiava e de algum modo acabou daquele jeito, com todo mundo morto." (p.92)
Ocorre um massacre orquestrado por Nick Levil no Colégio Garvin. Os policiais da cidade, a imprensa e escola viram os vídeos das câmeras de vigilância do colégio e perceberam uma determinação anormal vinda do assassino. Eles sentem que as vítimas pareceram ser escolhidas prévia e metodicamente. Mas qual é a origem dessa anormalidade? A Lista Negra, não tão velada agora, era um pequeno caderno onde Nick e sua namorada, Valerie, escreviam tudo o que odiavam no mundo: famílias-problema, colegas populares, lugares, músicas e principalmente, pessoas.


Continuaria a ser uma brincadeira entre o casal, um desabafo coletivo entre Nick e Val, se Nick não tivesse levado a Lista tão a sério. O tiroteio tem início na Praça de Alimentação do colégio onde ambos os jovens estudavam. Assim que o primeiro tiro é disparado, a instituição de ensino se transforma em um pandemônio: alunos correndo para longe daquele surtado e professores tentando guiar os jovens para algum local mais seguro. Valerie só se dá conta de que aquele inferno se relacionava à Lista Negra por ter percebido que as primeiras vítimas atingidas tinham seus nomes em rabiscados no pequeno caderno.



Após se colocar entre Nick e a garota mais popular da escola, que anteriormente fazia dela uma vítima de xingamentos, Valerie é atingida por um tiro na perna ao tentar acabar com aquele desespero. Nick não continua só porque atira em sua cabeça e morre instantaneamente. O livro é mesclado entre narração em 1ª pessoa por Valerie no presente, flashbacks e notícias do jornal local. A obra é fracionada em quatro partes e na minha opinião, a primeira foi onde eu mais sofri durante a leitura. Porque Val tenta retornar ao colégio com uma vida razoável, mas é abandonada por todos a quem ela considerava como amigo, o resto da escola a trata com extrema frieza acusando-a de ter "mandado" Nick abrir fogo nos colegas.



Admito que fiquei possesso/nervoso/estupefato/triste quando via que até OS PAIS odiavam estar envolvidos em tudo aquilo. Fui descobrindo que a mãe não era super protetora com a filha por protegê-la do mundo mas sim; proteger o mundo de se envolver com a filha "bandida" que segundo os pensamentos da mãe, se Val ficasse sozinha por algum curto período, não era impossível ela começar a matar as pessoas.

O pai é um vacilão à parte. Negligenciou a filha e não deu a ela chances de contar a sua versão da história distorcida pela mídia, não deu a Val possibilidades de dizer que também era uma vítima daquele ocorrido. Ted, o pai, apanas a culpava de tudo, culpando-a de trazer só problemas para a vida de todos. Além de tudo isso; a jovem tinha que suportar a tensão doméstica, um divórcio iminente que não tardaria a acontecer e lutar contra a saudade do lado bom do namorado, e ao longo da narrativa o leitor é capaz de perceber que Nick não era de todo mal, e era da parte benévola pela qual Valerie sentia falta. 


Na época do lançamento do livro, as discussões sobre o bullying e as consequências das agressões ainda chegavam à tona no cenário mundial. Jennifer Brown trouxe uma reflexão muito pertinente e impactante sobre a sociedade em que vivemos: é realmente necessário que um jovem entre em uma escola e mate tantas pessoas para que o mundo se dê conta de que o bullying só acarreta consequências negativas? As pessoas não podem simplesmente se colocar no lugar do outro a fim de evitar ações drásticas como essa? 

Recomendo pra caramba esse livro, na minha opinião é leitura obrigatória. Certamente é uma das melhores leituras do ano e da vida e apesar de já ter lido muitos livros com o bullying como plano de fundo, nenhum me atingiu tão profundamente quanto A Lista Negra. Incrível.

"- O tempo nunca acaba - sussurrou [Bea]. (...) Como sempre há tempo para dor, também há tempo para a cura. É claro que há." (p. 179)

Obrigado pela atenção!


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Resenha de "Fale!", por Laurie Halsie Anderson

Melinda Sordino certamente é a aluna mais excluída do Colégio Merryweather. Depois de ter ligado para a polícia durante a tradicional festinha dos veteranos e ter feito vários colegas serem presos, é considerada a garota mais escrota da escola. É deixada de lado pelas amigas e isolada do resto do colégio. As pessoas não lhe dirigem mais palavras (xingos e ofensas, sim) ou lhe dão atenção. O que, de fato, ocorreu antes de Melinda ligar para a polícia na noite da festa faz com que ela opte pelo silêncio ao invés de falar a verdade?



Melinda sabe que os seus pais, omissos e negligentes, não têm realmente vontade de ouvir o que ela tem a dizer, se preocupando apenas com o progresso da filha na escola. Ela também tem conhecimento de que toda a propaganda de desabafar com os mais velhos e disposição das autoridades de ouvirem o que os jovens têm a dizer, é uma baboseira extrema; já que os adultos afirmam, na maioria das vezes, não terem tempo suficiente para "esquentar" a cabeça com um drama adolescente. 


"Aposto que [meus pais] já estariam separados, a esta altura, se eu não tivesse nascido. Tenho certeza de que fui a maior decepção. Não sou bonita, nem inteligente, nem atlética. Sou como o casal - um parasita comum envolto em segredos e mentiras." (p.88)

"Os meus pais ficam me fazendo perguntas do tipo 'O que há de errado com você?'. Como posso responder? Nem preciso. Eles não querem mesmo ouvir nada do que tenho a dizer." (p.106)

Assim, a protagonista de Fale! vai se fechando aos poucos, murchando como uma flor que carece de água e consequentemente, comprando os ingressos de entrada à depressão. Nas aulas de arte de Melinda é o único momento em que ela consegue se expressar, e com um professor sensato, ela aos poucos se abre para falar o que realmente aconteceu naquela maldita festa.


"É mais fácil não dizer nada. Fechar a matraca, passar o zíper, calar o bico. Toda aquela babaquice que você escuta na TV sobre se comunicar e expressar o que sente não passa de uma mentira. Ninguém quer realmente ouvir o que você tem a dizer." (p.22)

"Eu me olho no espelho do outro lado do quarto. Eca. (...) Saio da cama e tiro o espelho do lugar. Coloco no fundo do closet, virado para a parede." (p.30)


A narrativa é em 1ª pessoa, com uma narradora que mescla comentários sarcásticos a respeito de sua exclusão e descreve com seriedade as consequências do trauma da festa. São pouquíssimos os personagens legais (que na minha soma da um total de 2) por quem você gosta de ler os capítulos em que eles estão. 

"Eu sabia que não ia ser convidada, Teria sorte se fosse convidada para o meu próprio velório, com a minha fama." (p.56)


Fale! é um livro que deve ser discutido entre os jovens e também posso dizer que é uma leitura recomendadíssima. O acontecimento da festa não é o foco principal, visto que o objetivo da autora, acho eu, era mostrar aos leitores o impacto do acontecimento na vida da protagonista. Porém, ser ignorante em relação a essa revelação contribui na boa experiência da leitura, que deixa um suspense dentro do livro. No final de cada parte (em um total de 4), a autora "anexa" o boletim de Melinda: 

Boletim do final da parte 3
Após ler esse livro eu percebi que o meu desejo a todas as Melinda's do mundo, é o mesmo que o da autora: "que vocês sempre tenham a coragem de falar".






sábado, 25 de julho de 2015

Resenha de "Objetos cortantes", por Gillian Flynn

O livro foi o romance de estreia de Flynn, a segunda obra da autora que eu li e publicada no Brasil.
Camille Preaker é uma jornalista de um desprestigiado jornal em Chicago e recém-saída de um hospital psiquiátrico, onde ficou internada para tratar a tendência de automutilação que deixou seus resquícios em formas de cicatrizes no corpo da mulher.

"Às vezes acho que a doença mora dentro de toda mulher, esperando o melhor momento para florescer."

O seu chefe, Frank Curry, encarrega-a de elaborar uma matéria sobre dois assassinatos que ocorreram em Wind Gap, cidade natal de Camille. É preciso ter um pouco de estômago para lidar com a história das mortes, já que as vítimas foram duas garotinhas de 7 a 9 anos (salvo engano) que tiveram todos os seus dentes arrancados pelo autor dos crimes. A partir daí já se pode calcular a atmosfera tensa presente no livro.

Edição publicada pela Editora Instrínseca.


Porém, esse elemento não está apenas no modo em que as crianças foram trucidadas e também na história de vida da protagonista. Como o jornal em Chicago não tem muito sucesso e/ou recursos, Camille viajará até Wind Gap e se verá obrigada a se hospedar na casa da mãe psicótica, que vive com o padrasto de Preaker e a sua meia-irmã quase desconhecida. Desse modo, a mulher na linha dos 35 anos terá de encarar as memórias de sua adolescência e o passado em que viveu naquela casa, ambos tão macabros quanto os assassinatos na cidadezinha e as cicatrizes sob suas roupas.

"Só acho que algumas mulheres não nascem para ser mães. E algumas mulheres não nascem para ser filhas." 

Um dos traços marcantes na escrita de Gillian Flynn é a acidez usada para construir seus personagens e abordar os temas em seus livros. Ela não mede a brutalidade de suas palavras, que chegam aos leitores com um grande impacto. Outro ponto forte nos seus livros são as protagonistas. Pela segunda vez, conheci um personagem central problemático, que é uma pessoa a quem o contexto da criação familiar influenciou na vida e na maneira de ver o mundo. Muitos leitores vão se identificar com as protagonistas das histórias de Flynn, porque elas não são boas ou más, e sim, humanas.

Gillian Flynn, 44 anos.

"Uma criança criada com veneno considera dor um consolo."

"Todo mundo tem um momento em que a vida sai dos trilhos."

Gostei do título, muito sugestivo, que se refere aos dentes desenraizados das garotinhas e às lâminas que ferem Camille Preaker. Após a leitura de mais um livro dessa autora, eu reafirmo que Gillian Flynn é rainha um dos maiores destaques (se não O maior) da literatura contemporânea e recomendo muito a leitura de Objetos cortantes. 






domingo, 19 de julho de 2015

Resenha de "Morte súbita", por J.K. Rowling

A narrativa se passa no vilarejo fictício de Pagford, na Inglaterra. Nesse local há um Conselho Distrital, composto por membros que possuem uma posição importante na tomada de decisões para o futuro do vilarejo. O livro se inicia quando um dos membros do Conselho, Barry Fairbrother é acometido por um aneurisma e morre subitamente. Isso significa que há uma vacância (uma cadeira vaga, um lugar vazio) no Conselho, logo, algumas pessoas se candidatarão para ocupar o lugar de Fairbrother.


É classificado como um romance adulto, não focando apenas nas questões políticas de Pagford e explorando com afinco as questões sociais: vícios da população, violência doméstica, homofobia, drogas, racismo, prostituição, corrupção, bullying e hipocrisia. 


Ao longo da história é possível perceber que a morte de Fairbrother significa também a morte do altruísmo naquele lugar, o falecimento da esperança para a parcela da população que é pobre, mesmo que alguns personagens revelem que Barry Fairbrother não era tão santo. 
Rowling foi capaz de criar personagens verossimilhantes, o que significa que ao ler o livro eu quase conseguia vê-los na minha frente.


Achei bacana o modo como a morte do membro do Conselho Distrital interferiu na vida de TODOS os moradores do vilarejo e a maneira como a autora demonstrou maestria interligando a vida de todos os personagens. O início da narrativa é um pouco arrastado, porém não significa que a autora deixa de abordar os temas citados anteriormente. Depois, iniciam-se as rixas e a narrativa se torna fluida.
Novamente pude perceber que J.K. Rowling não teve sorte ao publicar Harry Potter e sim, talento para exercer o ofício da escrita.

"Ela [Krystal] soluçava cada vez mais forte. Poderia ter contado para o Sr. Fairbrother. Ele conheceu a realidade da vida." (p.429)

"É estranho como a nossa cabeça pode saber o que o coração se recusa a aceitar." (p.515)